O Banco Central elevou o tom ao comentar a política fiscal do governo Lula. Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta terça-feira (13), a autoridade monetária alertou para o aumento do risco fiscal e para os efeitos da expansão de gastos sobre a inflação. Segundo o texto, esse cenário pode comprometer a convergência da inflação para a meta e limitar o espaço para novos cortes na Selic, que foi elevada em 0,5 ponto percentual, para 14,75% ao ano.
“O Banco Central já vem fazendo um alerta sobre a desconexão entre o objetivo monetário da redução da inflação e, em contraponto, o aumento dos gastos, que vão gerar risco fiscal. Há uma percepção de que a taxa de juros vai continuar alta enquanto o governo continuar ampliando os gastos”, avalia o economista Waldemiro Alcântara, professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da UFG.
A ata do Copom afirma que a combinação entre inflação ainda resistente e a expansão fiscal amplia a demanda agregada e gera incertezas. O documento destaca o aumento da percepção de risco, tanto sobre o cumprimento das metas fiscais quanto sobre a capacidade de o governo manter um arcabouço crível. Em abril, as expectativas de inflação voltaram a subir.
Para o economista Luiz Carlos Ongaratto, o aumento das despesas pode colocar em risco a estabilidade. “Com essa persistência de gastos elevados, há uma pressão maior pelo lado da demanda. Temos mais transferência de renda e gastos não compatíveis com o orçamento do Brasil. Isso pressiona a inflação. O Banco Central tenta neutralizar esses impactos. Por um lado, ele tenta conter a inflação. Por outro, o governo gasta mais, criando uma tendência de aumento da inflação no presente e no futuro.”
Evolução dos dados econômicos
O Copom também sinaliza que a continuidade do ciclo de cortes dependerá da evolução dos dados econômicos. A leitura do mercado é de que o tom da ata pode indicar o fim, ainda que temporário, das reduções da taxa Selic.
Alcântara, quando questionado se o tom da ata pode sinalizar o fim do ciclo de cortes, responde que “momentaneamente parece que houve um fim”. Mas reforça que se a inflação continuar alta, com certeza novos aumentos poderão ocorrer. Ongaratto acrescenta: “Provavelmente teremos um novo ciclo de cortes sucessivos, mas o Banco Central vai prezar pela cautela. Para isso, será necessária a revisão das contas do governo”.
Apesar de técnico, o conteúdo da ata foi lido por analistas como um alerta ao governo. Para Alcântara, “por trás do técnico, há um alerta para o risco que o governo está provocando com o aumento dos gastos”. Ongaratto, por sua vez, vê neutralidade: “A linguagem é baseada em fundamentos. O BC não é um órgão político. A mensagem é sempre técnica, ‘olha a inflação está fora da meta e precisa voltar ao eixo’”.
Arcabouço fiscal perde credibilidade
Ambos os economistas avaliam que o arcabouço fiscal perdeu parte de sua credibilidade, embora ainda mantenha alguma capacidade de ancoragem. Eles destacam que sempre houve dúvidas sobre o cumprimento das metas pelo governo e apontam a presença de receitas não recorrentes como um fator de incerteza. Para restaurar a confiança, consideram necessária uma reformulação nos gastos públicos.
Os dois economistas também avaliam que há desalinhamento entre a política fiscal e a monetária. “O governo quer gastar mais, mas não mostra de onde vai cortar. Temos uma política monetária contracionista e uma política fiscal expansionista. Isso é um problema”, diz Alcântara. Por outro lado, Ongaratto discorda e afirma que não há desalinhamento, e o Banco Central apenas cumpre seu papel ao ajustar os juros conforme o comportamento da inflação.
Ambos apontam a necessidade de ajustes como caminho para reduzir tensões. “O governo vai ter que mostrar desejo real de reduzir gastos. O aumento do consumo tem pressionado a inflação. E o BC está tentando contê-la”, afirma Alcântara. Ongaratto é direto: “A solução é redução de gastos”.
Diante das sinalizações do Banco Central e das avaliações dos economistas, o que se desenha para os próximos meses é um cenário de cautela. A política monetária segue vigilante, diante da percepção de que os estímulos fiscais do governo ainda não foram compensados por medidas de contenção de gastos. (Especial para O Hoje)