Apresentada em maio deste ano, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) da deputada Erika Hilton (Psol-SP) quer extinguir a escala de trabalho de 44 horas semanais. Analistas econômicos apontam que a mudança implica aspectos negativos e positivos, e o aumento dos custos para empresas pode ser um dos fatores a inviabilizar o fim da escala 6×1 no País.
Na proposição protocolada no Congresso em 1º de maio, a parlamentar defende que o País adote a jornada de trabalho de quatro dias e prevê mudanças no total de horas trabalhadas. Ao propor a mudança, a parlamentar encabeçou a bandeira do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que ganhou força nas redes no ano passado e vem levantando discussões.
Dessa forma, a possibilidade de alteração no regime deve atingir de maneira mais direta algumas categorias específicas da economia. O mestre em Economia Lucas Mikael afirma que embora a mudança seja positiva do ponto de vista do bem-estar dos trabalhadores, ela pode gerar efeitos negativos sobre o emprego formal, principalmente em setores mais vulneráveis a custos elevados, como comércio, serviços e setores industriais.
Para ele, a extinção da jornada 6×1 pode ser implementada de forma eficaz, porém, é essencial que haja um planejamento gradual. A transição precisa ser feita de maneira a mitigar os impactos negativos nos setores mais afetados.
“Políticas públicas de apoio, como subsídios ou créditos facilitados para pequenas empresas, poderiam ser fundamentais para evitar que a medida resulte em aumento do desemprego ou no fechamento de pequenos negócios. O sucesso dessa mudança dependerá de um equilíbrio cuidadoso entre os benefícios sociais para os trabalhadores e os desafios econômicos enfrentados pelas empresas”, avalia Mikael.
O doutor em Administração Leandro Tortosa complementa que, à primeira vista, a ideia é atraente, especialmente em uma sociedade que frequentemente sobrecarrega seus trabalhadores com jornadas exaustivas. Contudo, o que parece simples carrega implicações econômicas profundas.
“De um lado, temos a CNC (Confederação Nacional do Comércio) alertando para os possíveis impactos dessa mudança nos custos operacionais. Sem redução proporcional de salários, a carga adicional de custos poderia sufocar empresas menores e de setores mais dependentes da flexibilidade de horário, como o comércio e serviços. Esse aumento de custos, inevitavelmente, tende a se refletir nos preços ao consumidor, elevando o risco inflacionário, um fator que, como bem sabemos, corrói o poder de compra das famílias brasileiras”, corrobora Tortosa.
Mikael ainda diz que os custos de adaptação para as empresas podem ser elevados, especialmente em setores que dependem fortemente de mão de obra intensiva.
“A necessidade de contratar mais trabalhadores para cobrir a jornada reduzida poderia elevar ainda mais esses custos, especialmente em empresas de pequeno porte, que já operam com margens de lucro apertadas. Para muitos desses negócios, os custos adicionais poderiam se tornar insustentáveis, resultando em demissões, redução de horas de trabalho ou até mesmo no fechamento de empresas”, analisa Mikael.
EQUILÍBRIO
Tortosa salienta que o Brasil deve sim avançar nas pautas de qualidade de vida e bem-estar dos trabalhadores, mas com realismo econômico, “buscando o equilíbrio entre os interesses de todas as partes, trabalhadores, empregadores e sociedade”.
O economista Lucas Mikael avalia que, do ponto de vista econômico, a proposta levanta questões complexas.
“A redução da carga horária pode trazer benefícios sociais importantes, como a melhora na qualidade de vida e no bem-estar dos trabalhadores, o que, teoricamente, poderia resultar em maior produtividade no longo prazo”, pontua.
Já o mestre em Economia Eugênio Pavão destaca que ao longo das últimas décadas, o País implementou diversos direitos trabalhistas que de início eram tidos como aberrações.
“Na Constituição, vários direitos trabalhistas foram concedidos, como a licença maternidade, o fundo de garantia, as férias, o que alguns setores chamaram de aberração”, cita.
Pavão destaca que o ambiente de transformações da sociedade mundial afeta muitas atividades econômicas, com o trabalho passando por transformações desde a Revolução Industrial.
“Exemplos de escala reduzida de jornada de trabalho estão em órgãos públicos, como o Judiciário de MS, no qual servidores públicos têm 30 horas semanais, em sua grande maioria”, exemplifica o economista, frisando que a mudança pode ser positiva.
Hoje, a carga horária estabelecida pelo artigo 7º da Constituição assegura ao trabalhador um expediente não superior a oito horas diárias e a 44 horas semanais. O texto inicial da PEC sugere que o limite caia para 36 horas semanais, sem alteração na carga máxima diária de oito horas e sem redução salarial. Isso permitiria que o País adotasse o modelo de quatro dias de trabalho. Discute-se também a possibilidade de adoção do regime 5×2.
REGRAS
Ao Correio do Estadoa especialista em Direito do Trabalho e presidente da Comissão da Advocacia Trabalhista da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul (OAB-MS), Camila Marques, reitera que a jornada de trabalho atual deve respeitar oito horas diárias e 44 horas semanais, podendo ser pactuado acordo de compensação de jornada. O mais comum é que a jornada de trabalho seja estendida um pouco durante a semana para não ter trabalho no sábado.
“A escala 6×1 é utilizada em empresas ou segmentos que trabalham com horários estendidos ou que funcionam aos fins de semana, principalmente do comércio, de restaurantes, turismo, etc. Nessa escala, os dias de folga são previamente definidos pelo empregador e podem ocorrer em qualquer dia da semana, porém, os dias trabalhados devem respeitar as oito horas diárias e 44 horas semanais”.
Do ponto de vista do trabalhador, a jornalista Lyra Libero revela que, mesmo sendo empresária atualmente, apoia o fim da escala 6×1. “Trabalhei durante anos na escala 6×1 e tudo que consegui foram dois burnouts e transtorno de ansiedade”, relata.
A jovem ainda salienta que já existem pesquisas na Alemanha testando jornada de quatro dias e elas têm demonstrado aumento de lucratividade e produtividade. “E é bem possível que isso vire um modelo fixo por lá”, comenta.
Para o texto ser discutido na Câmara e no Senado, a proposta precisa do apoio de, ao menos, 171 assinaturas de parlamentares, já que se trata de uma mudança na Constituição. Até ontem, o apoio ao texto subiu e já passava de 206 assinaturas, número que permite que a PEC passe a tramitar nas Casas.