Não bastassem os esforços do governo Lula para contemporizar as atrocidades cometidas por Nicolás Maduro na Venezuela, agora o “companheiro” Daniel Ortega, o ditador nicaraguense, acrescentou um grão de sal à desmoralização do Brasil na região a qual o País supostamente deveria liderar. Ortega expulsou o embaixador brasileiro, em razão de sua ausência numa celebração propagandística da Revolução Sandinista. Lula, por sua vez, encheu-se de brios e expulsou a embaixadora da Nicarágua. Muito pouco, muito tarde.
Mesmo com toda a deferência de Lula a Maduro, o ditador venezuelano trata com total desdém as solicitações do companheiro brasileiro para que comprove sua alegada vitória eleitoral. Antes das eleições, Maduro ridicularizou as supostas apreensões de Lula e ainda insultou o Brasil ao questionar a idoneidade do nosso sistema eleitoral.
Se fosse só ingratidão pela longa ficha de serviços prestados por Lula às ditaduras de extrema esquerda, esses episódios se prestariam apenas a alimentar um exame de consciência do PT. Mas, muito além disso, eles ilustram a completa incapacidade do governo brasileiro de exercer influência numa zona de interesse natural, como a América Latina, em que o Brasil é a maior economia. O teste de realidade está dizimando as fantasias de Lula e seu ideólogo Celso Amorim de uma liderança regional supostamente alavancada por seus laços com as lideranças de esquerda.
O recado de ditadores como Maduro e Ortega é inequívoco: quem manda são a China e a Rússia, que financiam e armam países dispostos a enfrentar o Ocidente em geral e os Estados Unidos em particular. Na prática, o apoio do Brasil se tornou dispensável para esses tiranos, e se isso deixa Lula aflito, que tome “chá de camomila”, conforme receitou o insolente Maduro.
Lula parece perdido entre as ilusões de que o Brasil poderia liderar o movimento regional do tal “Sul Global” contra as nações ricas e o “imperialismo estadunidense” e a realidade de que o País é hoje um peão no Grande Jogo sino-russo na América Latina. Os ideólogos petistas presumem que o eixo global de poder está mudando definitivamente e que o Brasil precisa se alinhar aos vencedores, isto é, China e seus satélites. E é por isso que o Brasil de Lula, sob o manto do “pragmatismo”, tem sido vergonhosamente condescendente com a violência dos companheiros Maduro e Ortega, sem que o País tenha nenhum ganho com isso.
Assim como os interesses nacionais ditam um posicionamento independente na guerra fria entre China e EUA, o pragmatismo impõe, sim, cuidados diplomáticos para defender esses interesses junto aos donos do poder na Venezuela. Mas esquerdistas insuspeitos, como o presidente chileno, Gabriel Boric, mostram que é possível exercer esse pragmatismo sem conspurcar valores fundamentais, como a defesa da democracia e da soberania do povo venezuelano e de seus direitos humanos.
Sem o poder das armas ou do dinheiro, o Brasil construiu, desde os tempos do Império, uma sofisticada máquina diplomática para exercer o chamado “soft power” e navegar com equilíbrio entre as rivalidades geopolíticas de grandes potências. Que Lula jogue essa tradição no lixo e sobreponha suas afinidades e fidelidades aos princípios constitucionais das relações exteriores – como a promoção da democracia ou a defesa dos direitos humanos – é deplorável, mas não surpreendente. Esse sempre foi o padrão. O surpreendente é que essas atitudes não entregam sequer as prometidas contrapartidas. Ninguém escolhe o Brasil como destino de investimentos em razão do palavrório supostamente humanitário de Lula sobre a guerra na Ucrânia ou em Gaza. E as promessas de liderança regional na América Latina se decompõem a olhos vistos.
O rei está nu, e os delírios de Lula de encerrar sua carreira como “líder do Sul Global”, quando não um “príncipe da paz universal”, são triturados sob a Realpolitik de China e Rússia. O choque de realidade seria um problema tão somente para Lula, se o seu anacronismo, seu revanchismo e sua pusilanimidade não estivessem arrastando consigo a reputação e os interesses do Brasil.