Por: Fernando Valente Pimentel*
A mobilização da indústria e do varejo na luta pela igualdade tributária e regulatória em relação às plataformas internacionais de comércio eletrônico passou a ser tratada, de modo subestimado e semanticamente distorcido, como taxação das blusinhas. O termo, sejam quais forem a sua origem e a intenção com a qual foi cunhado e disseminado na opinião pública, reduz muito o significado da reivindicação por condições justas de concorrência e a importância social e econômica do conjunto de empresas nacionais afetadas por um privilégio fiscal na importação. Há muito em jogo!
Quem fabrica as roupas no Brasil – a indústria têxtil e de confecção – integra uma das cinco maiores cadeias produtivas do mundo e a maior integrada do Ocidente, desde a matéria-prima (natural, sintética ou artificial) até o produto que chega ao consumidor. Criar um parque produtivo igual ao nosso custaria hoje mais de R$ 400 bilhões. É um setor com operações em todo o território nacional, empregando 1,33 milhão de pessoas diretamente. Mais de 65% dos postos de trabalho são ocupados por mulheres e 85% dos negócios são de pequeno e médio portes. Estamos entre os 10 maiores mercados do mundo. Portanto, há muito mais do que blusinhas a ser defendido de uma descabida desigualdade tributária e regulatória.
Nesse sentido, foi importante a decisão do Senado, dia 5 de junho, de aprovar, no âmbito do Projeto de Lei 914/2024, o dispositivo referente ao Imposto de Importação de 20% nas compras de até US$ 50 nas plataformas internacionais de comércio eletrônico. A medida, que já havia sido votada pela Câmara dos Deputados, atenua a desigualdade tributária em relação às empresas brasileiras.
Entretanto, é preciso alertar que a alíquota estabelecida ainda mantém uma grande diferença, considerando que os sites estrangeiros, além dela, continuam recolhendo apenas mais 17% de ICMS. A indústria e o varejo brasileiros, porém, pagam um oneroso pacote de impostos que chega a 90%. Persiste, assim, um cenário de desigualdade tributária e concorrência desleal.
As empresas nacionais já foram muito prejudicadas pelo benefício fiscal concedido pelo governo às plataformas internacionais de comércio eletrônico desde agosto de 2023, por meio da Portaria 612 do Ministério da Fazenda. Foi uma insólita compensação para que aderissem ao programa Remessa Conforme, da Receita Federal. Ora, cumprir a lei é uma obrigação e não uma concessão em troca de privilégios.
Também cabe enfatizar a desigualdade regulatória, pois as mercadorias importadas por meio das plataformas de comércio eletrônico não são submetidas à análise e à anuência de organismos como o Inmetro, Anvisa e Ministério da Agricultura e Pecuária, como ocorre com as nacionais e as que ingressam no País pelas vias aduaneiras regulares. É preciso avançar nesse controle, pois se trata de um monitoramento essencial para a segurança dos consumidores e no sentido de que tenham garantias quanto à qualidade e especificidade dos produtos.
A defesa da igualdade tributária e regulatória, que, apesar da medida aprovada pelo Congresso Nacional, ainda está longe de ser alcançada, não expressa qualquer xenofobia, mas apenas a necessidade lógica de condições justas e isonômicas para competir. O comércio eletrônico e empresas estrangeiras são muito bem-vindos ao nosso país, em especial num mundo cada vez mais globalizado e sem fronteiras comerciais. Mas, não é plausível que disputem o nosso mercado favorecidos por privilégios, pois isso, muito além das blusinhasafeta imensa gama de produtos e ameaça milhares de empresas e milhões de empregos.
*Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).