A inflação acumulada em 12 meses bateu em julho o teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (3%, com margem de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo), como mostrou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Apesar de representar mais um grau de pressão sobre a política de juros, o mercado continua apostando na manutenção da taxa básica em 10,5% no fim do ano, como mostrou o relatório Focus, que reúne projeções de 140 instituições financeiras.
Boa parte da contenção das expectativas pode ser creditada às declarações recentes do diretor do Banco Central (BC) Gabriel Galípolo, apontado como a provável indicação de Lula da Silva para suceder a Roberto Campos Neto na presidência do BC. Ao falar publicamente sobre a ata da reunião de julho do Comitê de Política Monetária (Copom), que manteve a taxa de juros em 10,5% ao ano e ampliou perspectivas sobre um novo ciclo de alta, Galípolo adotou um tom duro no discurso para afastar-se do “risco de tombinização” do BC.
Alexandre Tombini, que presidiu o banco entre 2011 e 2016, carregou, como é notório, o estigma de ter facilitado, por meio de operações sistemáticas de intervenção no câmbio (swap cambial), a queda dos juros básicos pretendida pelo governo da então presidente Dilma Rousseff. Galípolo admitiu que o atual cenário é desconfortável para o objetivo de perseguir a meta de inflação de 3% e comparou um diretor do Banco Central que tem medo de subir os juros a um médico que não pode ver sangue.
A boa reação imediata do mercado, que manteve em baixa as projeções para taxas longas dos juros futuros, mostra que surtiram efeito as declarações do “provável futuro” presidente do BC de fazer “o que for necessário” para perseguir a meta. Mas não afasta o risco que ronda a inflação – e, consequentemente os juros – no cenário atual. Tanto que o mesmo relatório Focus elevou de 4,12% para 4,20% a estimativa para o IPCA no fim deste ano, aproximando perigosamente as expectativas do teto da meta inflacionária.
Como fator de abrandamento do risco, o detalhamento do índice de inflação de julho mostrou que a alta de preços não foi generalizada. Alimentos e bebidas, que têm um peso relevante no índice, chegaram a registrar deflação. A alta foi extremamente concentrada em transportes, por causa do aumento da gasolina, que a Petrobras adiou o quanto pôde. Caso a pressão do câmbio e do preço do petróleo acabe por tornar inevitável um reajuste também no diesel, é possível haver espalhamento para os preços dos alimentos em razão do aumento de custos de distribuição dos produtos transportados por caminhões.
De qualquer forma, o recado dado por Galípolo é o de que o BC não agirá de forma diferente a partir do ano que vem por ter a maioria de seus diretores indicada por Lula da Silva. Mas tomou o cuidado de dizer que o presidente da República, como qualquer um, tem o direito de opinar sobre os juros. Com uma no cravo e outra na ferradura, o próximo ciclo do BC sob a gestão petista é uma incógnita. Resta torcer para que a independência técnica apregoada por Galípolo seja para valer.
Estadão Conteúdo.