A partir de operação conjunta realizada entre Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), Fiscalização do Trabalho, Polícia Federal e Polícia Militar Ambiental, que resgatou quatro estrangeiros de condições degradantes de labor em uma propriedade rural no município de Corumbá, uma audiência ocorrida na tarde da última sexta-feira (16) resultou em acertos totalizando quase R$ 370 mil. Essa quantia corresponde ao pagamento de dano moral individual e coletivo, verbas rescisórias, multas aplicadas em autos de infração e demais direitos trabalhistas devidos às vítimas.
Conforme relatos, os trabalhadores foram contratados para a construção de cercas na propriedade rural que atua no ramo da pecuária bovina. No entanto, o local apresentava diversas violações à dignidade humana, como jornadas exaustivas na prestação do serviço e condições insalubres de moradia (alojamento precário).
Pagamentos e obrigações
Durante a audiência administrativa realizada nas dependências da sede do MPT-MS em Campo Grande, os trabalhadores resgatados foram orientados e ouvidos individualmente pelo procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes e por auditores-fiscais do Trabalho, ocasião em que puderam discutir com os representantes legais da propriedade rural os valores a serem auferidos.
Tendo em vista a situação de trabalho análogo à escravidão identificada na fazenda, o dano moral individual foi classificado como gravíssimo. O procurador do Trabalho esclareceu que a quantia devida aos trabalhadores foi definida com base na gradação da legislação vigente havendo, neste caso, a concordância das vítimas quanto ao recebimento do montante equivalente a 20 vezes o valor do último salário para o exercício da atividade na fazenda. Sendo assim, três trabalhadores resgatados irão receber R$ 54 mil e um quarto trabalhador será retribuído com o total de R$ 60 mil. As indenizações pactuadas serão executadas em doze parcelas, vencendo a primeira no dia 16 de outubro. Juntos, os trabalhadores resgatados também receberam um pouco mais de R$ 27 mil, a título de quitação de verbas rescisórias.
Além dos trabalhadores, o empregador ainda deverá ressarcir a sociedade no valor de R$ 55 mil, dividido em dez parcelas, sendo a primeira vencível no dia 16/11/2025, após a quitação do dano moral individual relativo aos trabalhadores.
A audiência administrativa também culminou na assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), por meio do qual, ao longo de seis cláusulas, o empregador se comprometeu a cumprir diversas obrigações de fazer e de não-fazer, prevendo a adoção imediata de medidas como: abster-se de admitir ou manter empregado sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente; abster-se de manter empregado laborando sob condições contrárias às disposições de proteção do trabalho, quer seja submetido a regime de trabalho forçado, quer seja reduzido à condição análoga à de escravo; fornecer, gratuitamente, aos trabalhadores rurais Equipamentos de Proteção Individual; disponibilizar áreas de vivência compostas de instalações sanitárias, locais para refeição, alojamentos e/ou local adequado para preparo de alimentos; oferecer água potável e fresca nos locais de trabalho, em quantidade suficiente e em condições higiênicas; providenciar a documentação rescisória dos empregados resgatados; recolher o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) incidente sobre os valores retroativos, em razão do registro tardio dos trabalhadores; recolher a multa de 40% sobre o saldo do FGTS apurado no item anterior, entre outras ações.
Além das indenizações por dano moral e da assinatura do Termo de Ajuste de Conduta, a fiscalização do Trabalho emitiu autos de infração, possibilitando o benefício do seguro-desemprego aos empregados e a aplicação de mais de R$ 65 mil em multas, por inobservância da legislação laboral pelo empregador.
A operação conjunta que revelou essas irregularidades trabalhistas foi batizada de Tembiguairamo e teve como finalidade combater o tráfico internacional de pessoas para fins de exploração de trabalho em condições análogas à escravidão, em propriedades rurais localizadas nas proximidades da fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai. Na ocasião, foram cumpridos três mandados de busca e apreensão expedidos pela 1ª Vara Federal de Corumbá.
Escravidão contemporânea
Em 2022, 116 trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravo em propriedades rurais de Mato Grosso do Sul. Já no ano passado, houve a retirada de 87 trabalhadores dessas situações degradantes, também na zona rural do estado. Em 2024, as operações conjuntas resultaram no resgate de 62 trabalhadores.
Não é apenas a privação de liberdade que torna o trabalho análogo ao de escravo, mas a ausência de dignidade humana. As vítimas desse crime e irregularidade trabalhista podem ser flagradas sob parte dos quatro elementos que caracterizam o contexto: condições degradantes de trabalho, compreendidas pela violação de direitos fundamentais e que coloquem em risco a saúde e a segurança do trabalhador; jornada exaustiva, em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de labor que pode acarretar danos à sua integridade; trabalho forçado, em que a pessoa pode ser mantida no serviço por meio de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas, além de servidão por dívida, quando o trabalhador fica mantido ao labor por causa de um débito ilegal. Os elementos podem vir juntos ou isoladamente.
Todo cidadão que presenciar cenários que possam configurar trabalho análogo ao de escravo pode denunciar ao MPT. Para isso, basta acessar o link www.prt24.mpt.mp.br/servicos/denuncias. As comunicações ainda podem ser feitas por meio do aplicativo MPT Pardal.
Referente ao procedimento IC 000807.2024.24.000/7