O presidente da Fenafisco concedeu entrevista ao Correio do Estado e falou principalmente sobre o impacto da reforma tributária nas contas
O presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Francelino Valença, concedeu entrevista ao Correio do Estado e falou principalmente sobre o impacto da reforma tributária nas contas estaduais.
Durante a conversa, o auditor fiscal com vasta experiência falou sobre temas importantes da agenda econômica brasileira.
Entre os pontos citados pelo presidente da Fenafisco estão a concessão de benefícios fiscais, sonegação, autonomia dos estados e arrecadação.
Mato Grosso do Sul frequentemente concede benefícios fiscais a setores estratégicos, como o agroindustrial. Na sua opinião, essas renúncias estão sendo feitas de forma criteriosa e transparente?
A concessão de benefícios fiscais em Mato Grosso do Sul, especialmente para setores estratégicos como o agroindustrial, é uma prática comum que visa atrair investimentos e impulsionar a economia local. No entanto, é fundamental que essas renúncias fiscais sejam feitas de maneira criteriosa e transparente, para garantir que realmente tragam benefícios à sociedade, e não apenas a grupos específicos.
Em primeiro lugar, é essencial avaliar a transparência desses processos. O acesso público às informações sobre os critérios adotados para a concessão desses benefícios, assim como a periodicidade e a forma de fiscalização das empresas beneficiadas, são cruciais para garantir que as renúncias não resultem em distorções, como o favorecimento de grandes empresas em detrimento de pequenos produtores ou de outros setores econômicos igualmente importantes.
Assim como aponta o estudo da Fenafisco, organizado pelo economista Juliano Goularti, a falta de clareza sobre a efetividade dessas medidas pode gerar uma percepção negativa de que os incentivos fiscais favorecem apenas determinados interesses, sem garantir retorno suficiente à sociedade.
Outro ponto importante é a análise criteriosa dos benefícios. Quando se concede renúncias fiscais, é fundamental que haja uma avaliação rigorosa sobre os impactos dessas medidas no longo prazo. Benefícios mal direcionados podem levar a uma perda de arrecadação considerável, sem um retorno proporcional em termos de geração de empregos, desenvolvimento regional e melhoria na qualidade de vida da população.
É necessário que os critérios para a concessão desses incentivos sejam claros e baseados em dados concretos que mostrem que a renúncia fiscal realmente trará um benefício à economia do Estado.
Portanto, a concessão de benefícios fiscais em Mato Grosso do Sul, embora seja uma prática legítima, precisa ser acompanhada de maior transparência e de uma análise mais criteriosa de seus efeitos. A sociedade deve ser capaz de monitorar esses processos, para garantir que os incentivos realmente contribuam para o desenvolvimento sustentável do Estado, sem prejuízos à justiça fiscal ou ao equilíbrio econômico.
Qual é o impacto da renúncia fiscal de ICMS na arrecadação estadual e como isso afeta o equilíbrio fiscal de MS?
A renúncia fiscal de ICMS em Mato Grosso do Sul tem um impacto significativo na arrecadação estadual e no equilíbrio fiscal do Estado. De acordo com os dados mais recentes, de 2023, a renúncia fiscal total no Estado alcança R$ 5.588.359.700,00, enquanto a arrecadação total de ICMS é de R$ 22.030.788.000,00, o que representa um impacto de 25,37% na receita estadual. Esse valor é expressivo e levanta questões cruciais sobre a sustentabilidade da política fiscal adotada.
Por um lado, a concessão de benefícios fiscais tem como objetivo atrair investimentos e fomentar o crescimento de setores estratégicos, como o agroindustrial. Contudo, ao liberar uma porcentagem tão alta da arrecadação do ICMS, o Estado está abrindo mão de uma parte significativa de sua capacidade de gerar recursos para o financiamento de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura.
De acordo com Juliano Goularti, responsável pelo estudo, esse impacto de 25,37% na arrecadação pode comprometer o equilíbrio fiscal de Mato Grosso do Sul, já que a perda de receita pode não ser compensada adequadamente pelos benefícios econômicos gerados pelos incentivos fiscais. Se os resultados esperados – como a geração de empregos e o aumento da produção e do consumo – não se materializarem de forma consistente e robusta, o Estado poderá enfrentar dificuldades fiscais no médio e longo prazos.
Isso pode resultar em uma pressão adicional sobre outras fontes de receita, levando a ajustes fiscais, como aumento de impostos em outros setores ou cortes em áreas prioritárias.
Portanto, enquanto os benefícios fiscais podem ser uma ferramenta importante para o desenvolvimento econômico, a atual renúncia fiscal de 25,37% da arrecadação do ICMS exige uma análise mais profunda sobre sua efetividade e seus impactos no equilíbrio fiscal do Estado.
Sem uma gestão transparente e criteriosa, o impacto negativo pode ser substancial, comprometendo a capacidade do Estado de manter a qualidade dos serviços públicos e a estabilidade fiscal.
Sobre a reforma tributária, quais são as principais mudanças esperadas na arrecadação do Estado com a unificação de tributos e o novo modelo de cobrança do ICMS?
A reforma tributária traz mudanças significativas para a arrecadação dos estados, com a unificação de tributos e um novo modelo de cobrança do ICMS, com o objetivo de simplificar o sistema tributário e promover maior justiça fiscal.
Entre as principais mudanças esperadas para Mato Grosso do Sul estão a unificação de diversos impostos em um único tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e a alteração no regime de cobrança do ICMS, que passará a ser um imposto com alíquota uniforme em todo o País.
A unificação de tributos, ao estabelecer uma base de cálculo comum, visa diminuir a complexidade e as distorções que existiam entre as alíquotas e os regimes aplicados em diferentes estados e municípios.
Com a unificação de tributos e a alteração no modelo de cobrança do ICMS, para o período de 2021 a 2035, espera-se que o PIB potencial cresça 20,2%, impulsionado por um aumento de 14,4% na produtividade dos fatores de produção, o que se reflete em uma melhoria na eficiência do uso de recursos como trabalho, capital e tecnologia. Além disso, o aumento dos investimentos em ativos fixos resultará em uma elevação do estoque de capital em 12,0%, permitindo maior capacidade produtiva e infraestrutura.
No longo prazo, o PIB potencial deve crescer ainda mais, alcançando um aumento de 24,0%. Esse crescimento será impulsionado por uma elevação de 16,4% na produtividade dos fatores de produção, refletindo o progresso contínuo nos processos produtivos e no uso de recursos.
Além disso, os investimentos em ativos fixos devem elevar o estoque de capital em 15,6%, consolidando uma base mais robusta para a produção e a inovação no País.
Há preocupações em relação à perda de autonomia dos estados na gestão de suas receitas com a reforma tributária? Como Mato Grosso do Sul deve se posicionar?
Sim, há preocupações em relação à perda de autonomia dos estados na gestão de suas receitas com a reforma tributária. A principal mudança é a centralização da arrecadação de tributos, como o ICMS, e a criação do IBS, que será compartilhado entre os entes federativos.
Isso significa que a arrecadação de tributos, que atualmente é gerida de forma independente pelos estados, passaria a ser distribuída de acordo com critérios definidos em nível federal.
Para estados como Mato Grosso do Sul, que dependem de uma maior arrecadação de impostos sobre a circulação de mercadorias e serviços, especialmente o ICMS, essa centralização pode representar uma perda significativa de receita, principalmente no curto e médio prazos.
Para mitigar esses impactos e evitar um desequilíbrio nas finanças estaduais e municipais, a reforma aprovada prevê a criação de fundos de compensação para garantir que estados e municípios não percam receita nos primeiros anos de implementação da reforma. Esses fundos seriam responsáveis por repor parte da arrecadação perdida com a mudança do modelo de cobrança.
De que maneira a reforma tributária pode ser uma oportunidade para combater a sonegação e tornar o sistema mais justo no Estado?
A mudança para um sistema de cobrança no estado de destino (princípio do “destination based”) põe fim a práticas como a guerra fiscal entre os estados, em que empresas podem ser incentivadas a sonegar ou manipular sua localização fiscal para pagar menos impostos.
Todavia, a maior transparência e a utilização de tecnologia, como a automação na emissão de notas fiscais e o cruzamento de dados, também têm grande potencial para detectar irregularidades e combater a sonegação.
Com a centralização e o uso de sistemas mais integrados, o estado pode monitorar melhor as transações comerciais e identificar discrepâncias entre o que é declarado pelas empresas e o que efetivamente circula no mercado.
A reforma tributária, embora tenha o potencial de combater a sonegação e tornar o sistema mais justo, também deveria contemplar uma tributação progressiva, ou seja, tributar mais os ricos e aliviar a carga sobre os mais pobres. Com a unificação dos tributos e a criação do IBS, pode, por um lado, simplificar e tornar a arrecadação mais eficiente, mas há preocupações de que ela não resolva adequadamente a desigualdade fiscal, especialmente no que diz respeito à progressividade.
No modelo atual, a carga tributária no Brasil é considerada regressiva, ou seja, os mais pobres acabam pagando uma parcela maior de sua renda em impostos indiretos, como o ICMS, que incidem sobre o consumo de bens essenciais. Isso significa que, enquanto os ricos podem pagar uma proporção menor de sua renda em tributos, os mais pobres são sobrecarregados com impostos sobre produtos e serviços essenciais.
De que forma a sonegação fiscal impacta o Orçamento estadual e a capacidade de investimento em áreas prioritárias, como Saúde e Educação?
A sonegação fiscal causa um impacto profundo no Orçamento estadual, reduzindo significativamente a arrecadação de recursos indispensáveis para o funcionamento do setor público. Essa redução compromete a capacidade do Estado de financiar serviços essenciais e investir em áreas prioritárias, como Saúde e Educação.
Na Saúde, por exemplo, a falta de recursos pode resultar em hospitais subfinanciados, escassez de medicamentos, atrasos na modernização de equipamentos e dificuldade para ampliar o atendimento à população.
Na Educação, os impactos incluem precarização da infraestrutura escolar, redução de investimentos, falta de verba para capacitação de professores, limitações na distribuição de materiais pedagógicos e diminuição de oportunidades de acesso à educação de qualidade.
O efeito negativo da sonegação é o enfraquecimento da capacidade do Estado de planejar a longo prazo. Sem uma arrecadação previsível e consistente, os gestores enfrentam dificuldades para implementar políticas públicas sustentáveis e investimentos planejados em infraestrutura, segurança pública e outras áreas essenciais para o desenvolvimento econômico e social. Em última análise, a sonegação não afeta apenas o presente, mas também compromete o futuro do Estado e de sua população.
Além disso, a sonegação fiscal agrava as desigualdades sociais e econômicas do País. Quando determinadas contribuições deixam de pagar os tributos devidos, a carga tributária recai de forma desproporcional sobre aqueles que cumprem suas obrigações fiscais. Essa situação cria um desequilíbrio no sistema tributário e prejudica a justiça fiscal, gerando insatisfação e desconfiança na administração pública.
PERFIL – FRANCELINO DAS CHAGAS VALENÇA JÚNIOR
Doutorando em Direito, Francelino Valença é auditor fiscal do Tesouro do estado de Pernambuco e presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e do Sindifisco-PE.
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