As investigações da Polícia Federal (PF) sobre um esquema de corrupção no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) revelam que o advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023, teria utilizado um relógio de luxo da marca suíça Patek Philippe para negociar decisões judiciais com o desembargador João Ferreira Filho. O objeto, avaliado em centenas de milhares de reais, seria parte de um esquema de pagamento de propinas envolvendo advogados, intermediários e magistrados.
Relógio como moeda de troca
Diálogos recuperados do celular de Zampieri, analisados pela PF, indicam que o advogado articulava a entrega do relógio ao desembargador como parte de um acordo para beneficiar seus clientes em processos no TJMT. Em mensagens de setembro de 2023, Zampieri afirma a um interlocutor identificado como Valdoir Slapak:
- Zampieri: “Vou presentear o nosso amigo com esse relógio.”
- Valdoir: “Boa noite. Tenho duas camionetas para te passar e acertar nossa conta de 400. Topa?”
A PF acredita que o “nosso amigo” citado por Zampieri seria João Ferreira Filho. Pouco depois, o desembargador proferiu decisões favoráveis aos interesses representados por Zampieri e Valdoir.
Decisões favorecidas
Um dos casos citados pela investigação é um recurso julgado por João Ferreira Filho. Diálogos indicam que, dias antes do julgamento, Zampieri teria mencionado a necessidade de acertar os valores prometidos ao desembargador:
- Zampieri: “Flaviano, hoje preciso muito da sua atenção. Já recebi duas ligações pela manhã. Precisamos pagar as novilhas. Veja se consegue 150 hoje e na outra semana o restante.”
Em resposta, o advogado Flaviano Kleber Taques Figueiredo, também investigado, transferiu R$ 150 mil para Zampieri no mesmo dia. Segundo a PF, a quantia teria sido direcionada ao desembargador em troca de uma decisão favorável, posteriormente emitida.
Evidências do esquema
A menção ao relógio de luxo foi reiterada em outra mensagem enviada por Zampieri a Valdoir, reforçando o uso do objeto como parte da negociação:
- Zampieri: “Outra coisa. Lembra do que te pedi sobre o relógio do nosso amigo? Estou em SP e gostaria de passar o valor para ele comprar o relógio.”
A PF aponta que a entrega do relógio fazia parte de um padrão recorrente nas negociações conduzidas por Zampieri, que usava bens de alto valor para facilitar suas articulações junto a magistrados.
A conexão com o assassinato
Roberto Zampieri foi assassinado em dezembro de 2023, em Cuiabá, em circunstâncias que ainda são investigadas pela Polícia Federal. Seu celular, apreendido pela polícia, revelou uma série de diálogos que indicam sua atuação como intermediário em um esquema de compra de sentenças no TJMT. O advogado negociava diretamente com magistrados e outros envolvidos, facilitando decisões judiciais em troca de vantagens financeiras ou bens de luxo.
Segundo a PF, o caso do Patek Philippe evidencia como Zampieri e outros investigados utilizavam itens valiosos para manter relações ilícitas com integrantes do Judiciário.
Além de João Ferreira Filho, o desembargador Sebastião de Moraes Filho também é investigado por suspeitas de envolvimento em práticas semelhantes. Ambos foram afastados de suas funções no TJMT em agosto de 2024 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por suspeita de envolvimento em vendas de decisões judiciais.
Operação Sisamnes
Nesta terça-feira (26), a Polícia Federal deflagrou a Operação Sisamnes, cumprindo um mandado de prisão preventiva e 23 de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Mato Grosso, Goiás e no Distrito Federal. Entre os alvos, além dos desembargadores, estão advogados, lobistas, empresários, assessores e chefes de gabinete, todos suspeitos de integrarem um esquema de venda de decisões judiciais. A investigação também apura o vazamento de informações sigilosas, incluindo detalhes de operações policiais.
Os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho começaram a ser monitorados com tornozeleiras eletrônicas no mesmo dia em que foram alvo de busca e apreensão. A PF vasculhou suas residências, gabinetes e outros locais, incluindo o escritório do advogado Roberto Zampieri.
Por meio de nota, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso afirmou que tem “compromisso com a transparência, a legalidade e a colaboração com as autoridades competentes, colocando-se à disposição para o fornecimento de informações necessárias ao andamento das investigações”.