Bruno Goulart
Os últimos meses evidenciaram mais um capítulo da já desgastada trajetória do governo Lula (PT) no campo da política econômica. Sob o comando do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e cercado por disputas internas e pressões externas, o governo federal tem demonstrado instabilidade, improviso e dificuldade de manter diretrizes coerentes, minando a confiança do mercado, dos investidores e até de parte da própria base política.
Em janeiro deste ano, a Receita Federal editou uma norma para ampliar a fiscalização de transações via Pix, visando coibir sonegação, mas diante da forte reação popular — alimentada por boatos de que o governo taxaria o Pix — e de críticas políticas e empresariais, o governo recuou e revogou a medida. Para conter o desgaste, editou uma medida provisória proibindo a taxação do Pix e tarifas diferenciadas para pagamentos em dinheiro, reforçando a imagem de um governo que toma decisões sem planejamento e volta atrás diante da pressão pública.
Recuos em série
Esse episódio, porém, está longe de ser isolado. Em março, o Ministério da Agricultura determinou a obrigatoriedade de carimbo com data de validade e procedência em ovos vendidos a granel, mas diante da pressão de parlamentares, cooperativas e pequenos produtores — que denunciaram o impacto negativo da exigência — o governo primeiro adiou a vigência da norma por seis meses e, poucos dias depois, revogou-a por completo. A medida foi mais um exemplo de decisões mal planejadas, que não consideram os impactos práticos sobre os setores afetados.
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Outro episódio semelhante envolveu o Plano Safra 2024/25. Com os recursos esgotados após uma alta inesperada da Selic, o governo suspendeu temporariamente a concessão de empréstimos, afetando produtores justamente no momento de preparação para o novo ciclo agrícola. A resposta do governo demorou quatro dias: só então foi editada uma medida provisória liberando R$ 4,1 bilhões em crédito extraordinário. A demora e a falta de previsão reforçaram a crítica de que falta planejamento estratégico e capacidade de antecipação por parte da equipe econômica.
Na última semana, a tentativa de aumentar o IOF sobre operações de crédito para compensar a perda de arrecadação com a desoneração da folha gerou mais um desgaste. A proposta foi duramente criticada por empresários, economistas e parlamentares, que apontaram a contradição entre a medida e o discurso de incentivo ao crescimento econômico. Novamente, o governo recuou em poucas horas, substituindo a medida por uma promessa genérica de buscar outras fontes de compensação. O episódio expôs a falta de articulação interna e abalou ainda mais a confiança de investidores e agentes econômicos.
Desorganização
Para analistas econômicos, o padrão recorrente do governo Lula de anunciar medidas, enfrentar reações negativas e rapidamente recuar tem provocado um efeito acumulativo nocivo à credibilidade da política econômica. A economista Greice Fernandes, em entrevista ao O HOJE, afirma que “a credibilidade da política econômica depende da capacidade do governo de sustentar suas decisões. Quando isso não acontece, os investidores perdem confiança e se retraem”.
Além do impacto técnico, os recuos sucessivos reforçam a imagem de um governo frágil diante de pressões, o que enfraquece a posição do ministro Fernando Haddad e compromete a estabilidade necessária para avançar em reformas estruturantes.
Isso alimenta a percepção de instabilidade e imprevisibilidade, levando analistas e investidores a se perguntarem não se haverá um novo recuo, mas quando e em qual área ele ocorrerá.