O entrevistado desta semana é o médico e presidente da Caixa de Assistência dos Servidores de Mato Grosso do Sul (Cassems), Ricardo Ayache, que está à frente de um dos maiores planos de saúde do Estado. Ele fala sobre uma série de inovações e desafios que a saúde suplementar tem enfrentado ultimamente.
A Cassems trouxe nos últimos dias o primeiro equipamento para realização de cirurgia robótica em Mato Grosso do Sul, já atendendo pacientes e mostrando como a tecnologia pode ser aliada da saúde. O Estado agora se junta a outras 18 unidades da federação que têm esse tipo de serviço.O plano de saúde também trouxe outra inovação neste ano, a criação do Banco Cassems, uma parceria com outras empresas.
Ayache afirma que a Cassems caminha para uma recuperação financeira gradativa. O plano tem utilizado inteligência artificial (AI) para fazer uma gestão mais assertiva, conectando todas as áreas do hospital à plataforma MV, tem investido em telemedicina, realizando 4.076 consultas neste ano, entre outras iniciativas abordadas na entrevista. Confira a seguir.
Nós vimos que vocês trouxeram uma inovação para o Estado, a cirurgia robótica. Gostaríamos de saber como foi o processo de trazer essa tecnologia para Mato Grosso do Sul e como foi feita essa primeira cirurgia?
A verdade é que a gente vem há alguns anos estudando a viabilidade do projeto de cirurgia robótica e obviamente que nós tivemos que fazer todo um estudo de viabilidade econômico-financeira, adequar algumas estruturas, e agora nós conseguimos viabilizar esse projeto importante para o nosso estado, do primeiro Centro de Cirurgia Robótica de MS, e já fizemos várias cirurgias. A primeira cirurgia foi uma retirada de próstata e que foi com sucesso absoluto. Os pacientes tiveram alta após 12 horas da cirurgia, com resultados excelentes e um pós-operatório bastante tranquilo.
Essa cirurgia, que foi preciso adequar o centro cirúrgico, como funciona?
Sim, são adequações do espaço físico e, claro, treinamento da equipe. O robô é uma extensão dos olhos e das mãos do cirurgião. Ele permite uma visualização tridimensional e uma precisão muito maior nos movimentos do cirurgião. Então, isso traz uma rapidez maior na realização dos procedimentos, com uma técnica mais precisa e, consequentemente, um pós-operatório mais tranquilo, com menos dor, e os resultados da cirurgia também têm maior qualidade.
E para o paciente, por exemplo, estar apto a fazer esse tipo de cirurgia, ele precisa de alguns pré-requisitos?
Não. Na verdade, existem indicações precisas para a realização da cirurgia robótica na urologia, na cirurgia geral, na cirurgia plástica reparadora e nas cirurgias ginecológicas. Tem várias indicações, mas elas, claro, nem todo paciente é elegível para utilização da cirurgia robótica, mas essa avaliação é feita pelo médico assistente. O que é importante é que o médico, sim, tenha uma formação adequada para fazer a cirurgia com o auxílio do robô. Isso é muito importante, o médico precisa estar habilitado para tal.
Quantos médicos da Cassems passaram por essa habilitação?
Existe um número grande de médicos, em Campo Grande, habilitados para fazer a cirurgia robótica. O que é que estava acontecendo? Eles saíam do Estado, levavam os pacientes para realizar nos estados que tinham já o equipamento disponível. Agora não.
Aliás, essa foi uma grande motivação para nós, porque nós começamos a observar nos últimos anos uma migração de pacientes daqui do Estado para outros para realização de procedimentos cirúrgicos com o auxílio do robô. Agora, com a vinda do aparelho para o Hospital Cassems de Campo Grande, os pacientes não precisam mais sair daqui e contam agora com o que há de mais moderno no mundo, em Campo Grande, no nosso hospital.
De quanto foi o investimento para trazer a cirurgia robótica para MS?
Então, nesse primeiro momento, nós fizemos uma locação, como se fosse um leasing do aparelho, para que nós tenhamos a ideia de como vai funcionar, quais são as demandas e, claro, em um segundo momento, a aquisição. Mas é um aparelho que custa hoje em torno de US$ 2 milhões. É bastante, mas nós acreditamos na total viabilidade do projeto.
Vocês também criaram o Banco Cassems. Como está sendo a implementação dessa ideia e como ela surgiu?
Na verdade, o que acontece, nós fomos procurados pela equipe da Bybiz e do Banco Omni, do doutor Érico Ferreira, que trouxeram pra nós essa oportunidade de criar o Banco Cassems. Eles entenderam que nós temos uma clientela bastante fiel, que tem um vínculo muito forte com a Cassems. A Cassems tem uma credibilidade dentro do mercado de saúde do nosso Estado, toda a estrutura, a Cassems não investiu com nada, o nosso capital é o que nós movimentamos financeiramente a cada ano, com a nossa equipe de funcionários, com os nossos prestadores de serviço e, obviamente, com os nossos beneficiários.
Eles, então, já estão oferecendo para esse universo de público que temos a oportunidade de fazer as suas transações financeiras no Banco Cassems. Financiamentos, adiantamento de recebíveis, cartões de crédito, enfim, consignados, tudo isso será possível no Banco Cassems. Dessa forma, parte significativa dos resultados, a maior parte dos resultados será revertida para a Cassems, trazendo aí a oportunidade de nós termos uma nova receita. Claro que isso não vai acontecer do dia para a noite, até o banco ganhar um volume, um corpo de atendimento, para que a gente tenha, então, novas receitas.
Não adianta a gente ficar apenas trabalhando diante de um cenário tão complexo, com redução de despesas e tal. Nós temos que ter criatividade para buscar, lógico, ações de redução de despesas administrativas, assistenciais, mas, sobretudo, criar novas receitas, porque realmente o cenário dos planos de saúde, desde a pandemia, é bastante desafiador, com aumento exponencial dos custos assistenciais. Então, isso acontece no Brasil inteiro. Nós estamos buscando, assim, alternativas novas para agregar valor para a Cassems.
E como vai funcionar esse banco? Quem pode se tornar um cliente?
Nós temos os beneficiários da Cassems, nós temos os funcionários da Cassems, os prestadores de serviço e também será aberto aos servidores públicos do Estado. Será aberto também à população, com o passar do tempo. Lógico que isso exige uma conquista por serviços que serão oferecidos pelo banco.
Sobre os desafios que todos os planos de saúde estão enfrentando, principalmente nesse pós-pandemia, como está a situação agora?
Muitas mudanças, também muita judicialização, novos tratamentos. Isso tudo encareceu muito, primeiro porque os profissionais passaram por um turbilhão que foi a pandemia. Isso elevou muito os custos com assistência à saúde. Todo mundo teve que cuidar dos pacientes, obviamente, de uma doença que não existia. Isso gerou um custo absurdo para os planos de saúde e, consequentemente, depois tivemos um aumento, uma inflação da saúde acelerada, e isso tem gerado no mercado de saúde brasileiro nos últimos anos mais de R$ 20 bilhões de deficit.
Veja, com o impacto da pandemia, dos custos da pandemia e da elevação dos custos assistenciais, que foram muito intensos, nós estamos em um processo gradativo de recuperação. Então, é uma caminhada, nós tivemos quatro anos bastante difíceis. E claro, vamos levar um tempo para alcançar os resultados necessários.
Considerando esse processo de recuperação que vocês estão passando, quais são os principais desafios da Cassems hoje?
Olha, a Cassems está inserida nesse contexto dos planos de saúde nacionais, da saúde brasileira, e os principais desafios, que são de todos, é o envelhecimento populacional sem o devido trabalho de preparo da população, o aumento dos números das doenças degenerativas, das demências, o aumento do número de casos de crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista.
Nós temos o aumento da complexidade de cirurgias, utilizando materiais cirúrgicos cada vez mais caros. Nós temos também novos tratamentos para as doenças reumatológicas e para o câncer, que também elevam significativamente os custos assistenciais. Esses desafios são desafios muito fortes nos últimos anos, e existe ainda um outro desafio gigantesco que é o aumento da demanda por especialistas médicos, e que nós não temos a oferta necessária no mercado. Eu cito alguns exemplos, como endocrinologia, neurologia, neurologia infantil, reumatologia. Então, são inúmeras especialidades. Psiquiatria, que tem demandas crescentes sem a oferta necessária desses profissionais.
Esses são desafios grandes. Para enfrentá-los, nós estamos fazendo um progresso, um aumento gradativo do serviço para ofertar, principalmente para quem está no interior, que tem mais dificuldade de acessar algumas especialidades, essa oportunidade.
E como funciona a telemedicina?
Nós temos hoje um modelo híbrido com consultórios dentro das nossas unidades regionais, com enfermeiros, com a equipe que dá suporte para esse atendimento e o médico fazendo a consulta por vídeo, por telemedicina. E isso tem sido importante para garantir acesso ao interior do Estado.
Nós vamos ampliar esses serviços ainda mais nos próximos meses. Nós temos também essa oportunidade, tanto em Campo Grande quanto no interior. Então, cada unidade regional nossa tem um consultório desse tipo, para oferecer esse tipo de serviço aos pacientes.
Percebemos que a Cassems tem procurado inovar. Há algum projeto visando mais uma inovação em andamento?
Nós temos agora a ampliação do espaço Somos lá, em Dourados, que é um espaço dedicado ao tratamento, diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com transtorno do espectro autista, e nós vamos ampliar de forma muito importante o serviço de telemedicina que será lançado em breve, nos próximos 30 dias.
Além disso, nós vemos que Campo Grande tem enfrentado uma série de problemas de saúde da população em geral, que são casos de surtos de síndromes respiratórias e, nas últimas semanas, surtos de síndromes gastrointestinais. Como a Cassems se prepara para essas situações?
A verdade é que nós temos uma estrutura de pronto atendimento bastante grande em Campo Grande, em Dourados, no interior do Estado. Então, obviamente, à medida que acontecem esses surtos, nós temos que ampliar as nossas equipes, mesmo que transitoriamente, para que os pacientes possam ser atendidos da forma mais adequada.
Mas realmente tem sido bastante complexo enfrentar ondas e mais ondas de viroses, doenças respiratórias, doenças gastrointestinais ou dengue, até mesmo Covid-19, que ainda temos os casos, embora menos graves. Mas, realmente, a gente percebe nos últimos quatro anos uma intensidade maior desses surtos de doenças dos mais diversos sistemas, e isso a gente também analisa que essas mudanças climáticas, as tragédias climáticas que têm acontecido no mundo todo, também há um acompanhamento do aumento dessas doenças que antes eram sazonais, e agora realmente não têm respeitado essa sazonalidade, a periodicidade habitual. Veja, a intensidade do calor e da baixa umidade nesse ano aqui no Estado. Isso influencia diretamente nossa saúde.
Temos acompanhado que muitos hospitais do Brasil, e tem até um projeto na Assembleia Legislativa de MS, para ter uma lei que aprove, caso os hospitais queiram implantar, o sistema de DRG, que é uma IA que acompanha todos os procedimentos e os resultados do hospital. A Cassems usa ou visa o uso de alguma IA?
Nós já temos implantado esses serviços de controle que melhoram a qualidade do atendimento, diminui o tempo de internação, diminui a incidência de infecção hospitalar. Todos esses serviços nós já temos implantados dentro dos nossos hospitais.
Os resultados são muito positivos. Nós já temos praticamente dois anos de implantação desse serviço, nós tivemos uma diminuição do tempo médio de internação. Então, isso realmente trouxe um efeito bastante positivo, o tempo médio de internação, que era de quatro dias, caiu para 3,5 dias. Então, é algo realmente que traz aí uma maior eficiência em nosso trabalho.
PERFIL
Ricardo Ayache
É formado em Medicina pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e médico do Hospital Regional de MS. Participou ativamente da fundação da Cassems e preside a entidade desde 2010. Em sua gestão, colocou a Cassems como a 18ª maior empresa de saúde do País no ranking da revista Exame.