A operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) na última quarta-feira (23/4) contra o esquema de descontos indevidos sobre aposentadorias do INSS deu início a uma guerra de narrativas acerca da responsabilidade dos governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), nas fraudes que atingiram milhões de aposentados em todo o país nos últimos anos.
Enquanto a oposição acusa o governo Lula de ter sido omisso diante das denúncias e permitido que o esquema chegasse a cifras bilionárias, os governistas sustentam que dez das 11 entidades investigadas pela PF foram habilitadas pelo INSS a cobrar mensalidade dos aposentados direto na folha de pagamento durante a gestão Bolsonaro (2019-2022).
A farra dos descontos foi revelada pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023, o que levou a PF a instaurar o inquérito para investigar os descontos de mensalidade associativa feitos sem a autorização dos aposentados por entidades registradas em nome de laranjas.
Em março do ano passado, o Metrópoles revelou, a partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que 29 entidades haviam ampliado de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões o faturamento com descontos por mês, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto respondiam a 62 mil processos em todo o país movidos por aposentados que as acusavam de fraude nas cobranças.
O papel dos governos Lula e Bolsonaro na farra do INSS
Os governos Lula e Bolsonaro tiveram papéis completamentares na farra dos descontos do INSS. Sob ambos os presidentes, houve forte aumento no número de associações agraciadas com acordos que lhes permitiram efetuar descontos sobre aposentados — até entidades que haviam sido expulsas pelo INSS voltaram a firmar convênio com o órgão.
Se no governo bolsonarista o INSS foi loteado pelo Centrão e as portas se abriram para entidades suspeitas, na gestão petista, o acréscimo continuou, o faturamento das associações explodiu, e o Planalto ignorou alertas de auditorias durante todo o período que precedeu a Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF na semana passada.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade subiu de R$ 544 milhões em 2021 para R$ 2,1 bilhões em 2024.
A lei que permite os descontos diretamente na folha dos aposentados é dos anos 1990, e foi instituída com o intuito de simplificar a relação entre aposentados e entidades às quais se filiaram voluntariamente. As associações mais antigas têm uma estrutura sindical, forte atuação no Congresso Nacional e oferecem serviços aos aposentados.
Governo Bolsonaro
Até 2021, eram apenas 15 associações que mantinham convênios com o INSS. Naquele ano, José Carlos Oliveira (PSD) assumiu a diretoria de Benefícios do órgão, responsável por firmar os acordos com as entidades e fiscalizá-las — posteriormente, ele se tornou presidente do INSS e ministro do Trabalho e Previdência até o fim do governo Bolsonaro, em dezembro de 2022.
Em sua gestão, Oliveira assinou três acordos com associações. Quando deixou a diretoria para assumir o órgão e a pasta, seus auxiliares assinaram outros 17 acordos, segundo dados do Diário Oficial da União.
Boa parte das novas associações tinha perfil semelhante: suas estruturas não passavam de salas comerciais, tinham poucos associados e elos de suas diretorias com empresários que eram beneficiários diretos dos descontos.
Uma delas é a Ambec, que tinha apenas três filiados quando assinou o acordo, em 2021, e chegou a 660 mil no auge da farra dos descontos, em 2024, com faturamento mensal de R$ 30 milhões. Ela é um dos alvos da PF.
Governo Lula
No governo Lula, nada mudou. O ex-diretor de Benefícios do INSS André Fidelis assinou 13 acordos, sete somente em 2024 — ele foi demitido em julho do ano passado, após as reportagens do Metrópoles.
Uma dessas associações, como mostrou o Metrópoles, ficava numa sala comercial abandonada, em São Paulo. Porteiros disseram que não havia no local há anos. Outra, tinha em seu registro dados de uma seguradora de Brasília.
Durante a gestão Fidelis as associações ampliaram exponencialmente o número de filiados, enquanto explodiram as queixas contra elas em órgões de defesa do consumidor e na Justiça.
Afastado do cargo na última quarta-feira, por ordem judicial, o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto era do PSB e homem de confiança do ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT).
Após a revelação da farra, além da demissão de Fidelis, ele determinou a suspensão de novas filiações e criou uma regra que exigia cadastro facial dos aposentados para se filiar com o objetivo de evitar fraude nas assinaturas, como ocorria.
Stefanutto também mandou abrir investigações sobre as associações e uma auditoria geral no órgão, que acabou responsabilizando as gestões Fidelis e Oliveira — ambos haviam aceitado novos acordos com duas associações expulsas por fraudes que mudaram apenas de nome, mantendo os mesmos CNPJs.
Com conclusão prevista para 2024, porém, os processos administrativos contra as entidades continuaram sem desdobramentos neste anoem 2025. Pouco antes de sua demissão, Stefanutto expulsou uma associação, a Cenap Asa, cujo acordo foi firmado por Fidelis.
Nesse período, a Controladoria Geral da União (CGU) alertou ao órgão que 98% dos aposentados entrevistados em uma auditoria nas filiações de todas as entidades tinham negado relação com as associações.
Duas semanas antes da Operação Sem Desconto, o Metrópoles mostrou que as entidades mantiveram um faturamento anual de R$ 2 bilhões.
Somente após a operação da PF e a demissão do presidente do INSS foi que o governo anunciou a suspensão de todos os descontos de mensalidade associativa e prometeu devolver o dinheiro descontado indevidamente pelas entidades.