“É uma sensação estranha quando olho, sei que minha casa está lá, mas ela não está”, diz Thiago Lopes, de 35 anos.
Há 66 dias, ele e outras 10 famílias perderam tudo que conquistaram. Em questão de minutos, a barragem do Nasa Park rompeu destruindo casas, esparramando compras do mês no chão e matando criações de porcos e aves, em Jaraguari, a 47 km da Capital. Enquanto as reuniões com o Ministério Público e a Defensoria Pública se arrastam, os moradores amargam as perdas sem perspectiva de um acordo com a empresa responsável pelo prejuízo.
Thiago morava desde que nasceu na casa onde só restou lama seca e rastro de destruição. Ele e a mãe Luzia Ramos, de 60 anos, conseguiram sair apenas com a roupa do corpo naquela terça-feira, depois que a barragem do loteamento de luxo estourou.
As compras que Luzia tinha feito uma semana antes deveriam durar pelo restante do mês de agosto. Parte dos produtos, como os pacotes de bolacha, estão em um dos cômodos da casa, todas em meio a terra e galhos.
Ao falar sobre, Luzia fica indignada e chora. “Comprei tudo, meu remédio custa R$ 200. Na terça-feira que a barragem rompeu, levou tudo. É um absurdo”, lamenta. O Ministério Público e a Defensoria auxiliaram os moradores na primeira semana com cestas básicas, mas o que Luzia quer é justiça. “A gente consegue se agarrar somente em Deus e na imprensa”, completa.
Nos últimos 66 dias, Thiago só visitou a casa onde cresceu em duas ocasiões. Nesta sexta-feira (26), ele fez o trajeto com a equipe de reportagem para mostrar que tudo segue igual. “Eu moro aqui há 35 anos e não posso ir ali. Aí você fica indignado com tudo, vem a morosidade da justiça, é muito complicado. Eu saí daqui com a roupa do corpo, pensando: ‘Será que vai dar tempo de tirar minha mãe daqui?!”, declara.
Em uma das visitas que fez, ele estava com um engenheiro técnico. O profissional avisou que será necessário demolir a residência e construir outra. “Mas, eu nem tenho coragem de construir no mesmo lugar”, fala.
Nas duas reuniões feitas pelo MP e Defensoria Pública, as famílias apresentaram levantamento dos bens perdidos, sem estipular o valor do prejuízo. Uma terceira está marcada para ocorrer em novembro, visando dar continuidade à tentativa de acordo que envolva a reparação dos danos ambientais e às vítimas do rompimento da barragem.
No dia seis de setembro, a Justiça concedeu tutela antecipada que determina o bloqueio de até R$ 35 milhões em bens das empresas responsáveis pela represa do loteamento Nasa Park. O valor, conforme Thiago, não é nada perto do quanto a empresa conseguiu acumular.
“Eu fico impressionado, são 11 famílias que foram atingidas e os R$ 35 milhões que o
Ministério Público pediu não é nada comparado ao que o Nasa Park lucrou ao longo dos anos”, relata.
Denair Martins da Silva, de 61 anos, está morando na casa que foi atingida pelo rompimento da barragem. Após um mutirão de limpeza feito por amigos e familiares, ela voltou a se instalar na casa onde criou todos os filhos.
Em poucas palavras, ela tenta explicar o que ainda é difícil entender. “Tudo isso é muito triste, não consigo demonstrar ou dizer tudo o que a gente vivenciou. Tudo que a gente tinha foi tirado da gente e nenhuma providência foi tomada”, comenta.
A ajuda, conforme a moradora, veio apenas nos primeiros dias. Agora parece que ninguém tem interesse no assunto. “Eu penso que ninguém está dando bola, ninguém está ligando. É como se fosse: ‘Ah, perdeu? Perdeu’”, diz.
Inquérito – O MPMS publicou hoje a instauração de um inquérito civil para avaliar os danos patrimoniais causados pelo rompimento da barragem, com foco nos vizinhos e os prejuízos. A investigação não inclui os danos ambientais. Os sitiantes do entorno, que tiveram perdas, já tinham ido à Procuradoria de Justiça e relatado os impactos que tiveram em suas propriedades com a passagem da enxurrada.
Fonte: CGN/ML